“E DEUS criou o homem à Sua imagem e semelhança, à imagem de DEUS o
criou; macho e fêmea criou-os” (Gen. 1:27)
Nosso mundo está colocado debaixo
de uma polaridade básica, uma oposição está estabelecida em seus fundamentos, a
manifestação está sob uma dualidade constitutiva, uma antinomia. Nas Sagradas
Escrituras este fato fulcral surge no 1º versículo do Gênesis/Bereshit,
contrastando céus e terra. Em seguida, pontua outra dualidade constitutiva: luz
e treva. Ao depois estabelece uma separação e/ou distinção entre águas de cima (Holam Chabah) e águas de baixo (Holam Hazeh). Para mais adiante, ao
falar da criação do homem, indicar outra polaridade fundamental: macho e fêmea.
Mas não termina aí, pois ainda vai pontuar outra dicotomia: o shabat (sábado) e a semana, e de certa
forma, concluir contundentemente com o bem e o mal. Isso sem falarmos, na
direita e esquerda, no doce e amargo, no prazer e no sofrimento, na beleza e na
feiura, etc.
É desta polaridade – macho e
fêmea - que vamos nos ocupar, pois nos diz respeito, envolvendo o homem e a
mulher, e acima de tudo – o casamento. No hebraico original macho é traduzido pelos termos zachor/zachar
(nossos já conhecidos de meditações anteriores), que estão diretamente ligados
a dois conceitos de suma importância: o macho da espécie e a necessidade
de lembrar-se. E fêmea é traduzida no original hebraico pelo termo neqevah,
que por sua vez está diretamente ligado aos conceitos de continente (aquela que
contém) e aquela que encerra a força do Nome (algo mais místico e misterioso),
pois é ela que “dá à luz” e é a “mãe dos viventes e/ou a doadora de vida (Chawah ou Eva)”. Curiosamente, de
Bereshit/Gênesis, destaca-se a seguinte verdade: o homem primeiramente foi feito
“macho e fêmea”, isto é, ele era andrógeno,
continha em si tanto o macho como a fêmea da espécie, tendo esta sido tirada
diretamente do seu lado – tselah
(e não da costela, como popularmente se diz), razão pela qual o MASHIACH
na Cruz teve o seu lado ferido com a lança romana, dele saindo água
e sangue, o que simbolicamente constitui o nascedouro da Igreja [aqui verdadeiramente
nasce a Igreja Cristã, na Páscoa (Pessah,
quando o cordeiro é morto – na Cruz), e não em Pentecostes (Shavuot, ocasião em que se dá a 1ª
grande colheita de almas, 50 dias depois) como tradicionalmente se diz],
brotando diretamente do lado do Messias (configurando a água o símbolo
do batismo e o sangue o símbolo da redenção), à semelhança da mulher tirada do lado
do homem no Gan Eden. Em assim sendo,
como o homem originalmente era andrógeno, do seu lado saindo a mulher, esta
recomposição e/ou reconstituição só poderá se dar no casamento, na união física, mental e espiritual entre um
homem de verdade e uma mulher de verdade. Este é o primeiro grande embasamento
do casamento, ou seja, como uma união entre seres diferentes, mas
complementares. Razão pela qual ela (união) nunca poderá se dar entre 2 homens
ou 2 mulheres, pois nunca poderão ou conseguirão se completar e não
reconstituirão o ser único original o - Hadam
Kadmon. Só no casamento, entre um homem e uma mulher, no momento do orgasmo
mais profundo e perfeito – ocorrerá de novo em símbolo a re-união das duas
partes complementares – macho e fêmea – como era no princípio, e eles (o casal)
se sentirão uma só carne.
Esta bi-polaridade da espécie
humana, macho e fêmea, dimana (brota/surge) de algo ainda mais medular,
radical, ou seja, da bi-polaridade entre as árvores do bem e do mal. Aqui
estamos em terreno por demais misterioso (do nível sod), e vamos nos socorrer da sabedoria de Annick de Souzenelle, em
sua obra “O Simbolismo do Corpo Humano”, para trazer alguns ensinamentos de
suma preciosidade, ou seja:
“O Homem que passou do 6 ao 7 (do
nível da criação ao nível da perfeição, “dica” nossa) começou, assim, a
caminhar na direção do mundo divino ultrapassando seus próprios limites. Para
ele, não há dúvida alguma de que não pode entrar no mistério, a não ser que
consiga abarcar, em sua totalidade e em suas justas relações, os dois termos da
antinomia. Em DEUS coexistem o Ser e o Não-Ser. Ao se definir como Ser (Ex.
3:14), DEUS já se limita [é a Kenosis Divina (esvaziou-se de si mesmo, “dica”
nossa) dos Padres gregos, o Tsim Tsoum
dos hebreus - o PAI (ABA/hav)
conteve-se e se retirou de uma parte de Si mesmo, para poder criar o Universo,
“dica” nossa] e o caminho do Conhecimento só pode ultrapassar essa definição
afirmando também igualmente o seu contrário: o Não-Ser.
Nessa perspectiva, o “bem” e o
que se convencionou chamar de o “mal” da Árvore, constituem uma coisa só, como
os dois polos de uma mesma realidade inexprimível.
VeRah (o mal) enquanto
contrário do bem, da perfeição, da estabilização, não tem o sentido que lhe
damos, mas implica a realidade de um formidável dinamismo, de uma perpétua
caminhada para essa perfeição que, antinomicamente, já é.
A palavra RAH, na narração bíblica,
se nos apresenta incorporada à conjunção “e”, o Waw, formando uma nova palavra VeRAH.
A letra Hayin joga sempre dialeticamente com o Haleph/Halef em uma relação treva-luz, pois o Homem não pode ir em
direção à luz do Haleph/Halef senão
indo à “fonte” do seu ser, o Hayin. A
tensão entre essas duas energias cria o potente dinamismo de crescimento da
Árvore.
Suponhamos esse crescimento
realizado, o Haleph toma o lugar do Hayin no seio da palavra RAH que se torna VeRAH. Esta última é formada, então, por três letras da palavra luz
– Haor. Isso nos permite traduzir a
palavra VeRAH – o Mal – por
“ainda-não-luz”.
A criação só se manteve em seu
equilíbrio de ser vivo na tensão existente entre essas duas realidades que, em
“profundeza”, são apenas uma: a luz TOV
e a ainda-não-luz RAH, a perfeição e
a imperfeição, o acabado e o inacabado, a harmonia e a confusão, etc.
Toda uma sintropia cósmica está
aí, como a física pode verificar. Essa disciplina científica está prestes a
viver o seu “7”, com a imensa reconversão à qual está obrigada de uns tempos
para cá, pela teoria da relatividade de Einstein (um hebreu), teoria que, hoje,
diz o físico O. Costa de Beauregard, deveria chamar-se “Teoria do Absoluto
encoberto pelas aparências”.
Essas aparências: luz e ainda-não-luz,
perfeição e não perfeição, etc., formam a dualidade
da manifestação. Quem, ignorando a unidade que as recobre, é capaz de
apreendê-las fora da oposição imediata que elas exprimem, da divisão que elas
provocam ?
Ninguém pode dominar a antinomia
sem ter entrado na experiência vivida da sua ultrapassagem, por parcial que
seja, caminhando rumo ao núcleo que liga os seus polos.
Esses dois polos são
constitutivos do Adão criado “macho e fêmea” (Gen. 1:27). Macho – Zachor – é aquele que “se lembra” (é a
mesma palavra em hebraico) da sua reserva de energia – Neqevah (fêmea), “continente” que encerra a força do NOME. É macho
aquele que se lembra do seu feminino inacabado e que toma o caminho da
conquista do seu NOME. Está aí a vocação fundamental de cada Adão, homem ou
mulher. Adão e o seu feminino inscrevem-se na mesma dialética que Tov – veRah. O feminino, a “sombra” de
cada um, contém o segredo do nosso NOME.
O fruto da Árvore do Conhecimento
da dualidade é o conhecimento da unidade conquistada, o Yod do NOME Divino YHAWEH (YHWH).”
Resumindo exposição tão rica,
verificamos que a bipolaridade - macho e fêmea - procede diretamente daquela
outra bipolaridade ainda mais básica – as árvores do bem e do chamado “mal” -,
razão pela qual ambas então dentro de um contexto muito profundo e fundamental.
Pois, como o “mal” na realidade é uma “ainda-não-luz”, por sua vez é a fêmea
que “dá à luz”, dela precisando o macho para a conquista do seu NOME, nome esse
que descortina a sua natureza mais intrínseca e que clareia o seu caminhar, ensinando-o
a descobrir e desenvolver os seus talentos mais ricos. Nesse contexto
misterioso, verifica-se que é a mulher que dá luz ao macho, a fim que possa
lembrar-se e conquistar o seu NOME (sua identidade), enquadrando o casal no
contexto do bem TOV e do chamado mal RAH. Algo que, jamais, conseguir-se-á numa
relação homossexual, homem com homem e mulher com mulher, que continuarão
eternamente à procura de si mesmos e nunca se encontrarão, pois são idênticos,
temeram a diferença.
Paremos por aqui hoje, pois é
muita luz, e muita claridade pode ofuscar, ensandecer. Deixemos que a Palavra
trabalhe nosso interior, para nos acostumarmos à luz e podermos voltar a
caminhar dentro dessa polaridade maravilhosa e constituinte, permitindo que a
luz proceda à reconstituição do nosso lado ainda-não-luz. Enos.